segunda-feira, outubro 29, 2007

Leite-creme, um modo de o ver


Há muito que não havia uma sobremesa neste blogue, e pensei em leite-creme, porque andava a matutar numa sobremesa que pudesse levar espuma, e, no caso de leite-creme, seria espuma de açúcar queimado, uma coisa simples. Desmontava assim o doce tradicional, ou descontruía-o, como agora também se diz para este tipo de cozinha. Mas se a espuma dava o sabor do açúcar queimado ao doce, não lhe dava a textura crocante. Essa, fui buscá-la ao adereço de massa brick com grãos de pólen. Fora do contexto da minha interpretação do leite-creme estava o copo de shot com granizado de menta. No entanto, teve duas funções: uma foi aligeirar a doçura da sobremesa, com a frescura quer da menta, quer do granizado; outra foi quebrar o tom geral da cor.


O que usei:

Leite-creme

5 gemas grandes
60 g de açúcar
20 gr de farinha de trigo T55
500 ml de leite
Noz moscada q.b.

Separei as gemas, bati-as um pouco, juntei noz moscada, imaginando que ficaria bem, como na verdade ficou, juntei o açúcar, mexi, e depois adicionei a farinha em chuva, e bati bem com a colher. Juntei um pouco do leite, misturei com a vara de arames, e depois deitei o resto do leite, tornando, a misturar. Provei para ver do sabor a noz-moscada e moí um pouco mais dela. Levei o preparado a lume primeiro forte, mexendo sempre, depois pu-lo no mínimo, continuando a mexer, agora a espaços frequentes, até espessar, mas sem deixar ferver. Passei para uma travessa para que arrefecesse.

Espuma:

½ frasco de caramelo industrial, cerca de 100 ml.
50 ml de brandi
Água a perfazer 250 ml
3 g de lecitina de soja

A espuma é sempre a última coisa a fazer. Também não a quis apenas a saber a caramelo de pudim, e entre as duas hipóteses que me vieram à cabeça, canela ou um álcool, escolhi conhaque. Bati o líquido então como aqui se fez e, embora a espuma se mantivesse, estava um pouco mais débil que a de laranja. Donde cheguei à conclusão que podia levar mais lecitina de soja que os 12 g/ l. Fica este apontamento para mim e para quem me leia.

Adereço crocante:

Massa brik
Manteiga q.b.
Grãos de pólen q.b.

Cortei com a tesoura triângulos de massa brik, untei uma assadeira com manteiga derretida, colei nela a massa, pincelei a face de cima dos triângulos, que estava seca, com a mesma manteiga, e espalhei nela grãos de pólen, calcando-os ligeiramente, para, depois da cozedura, ficarem colados à massa.

Granizado

Xarope de menta para refrescos -1 parte
Água – 4 partes

Misturei o xarope com a água e levei ao congelador. Fui vigiando e mexendo de vez em quando, para que não ficasse em gelo.



As ligações e os sabores das várias partes entre si funcionaram como se previa, e saiu uma sobremesa que não deixaria de me surpreender se a saboreasse num restaurante. Assim, limitei-me a ficar contente popr não ter trabalhado em vão e por ter conseguido dar ao leite-creme uma cara nova, com base nos seus sabores e texturas tradicionais.

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sábado, outubro 27, 2007

Quer vir ao meu restaurante?

Este título faz-me lembrar a infância, quando eu brincava, não às casinhas, com panelas e fogões de fingir, isso era coisa de meninas. Em rapazito, como é vulgar nos miúdos, era ferozmente cioso do meu género masculino e ainda não gostava de misturas. Fazia as minhas próprias fisgas, andava com elas a caçar pássaros e, aos oito anos, namorava uma vizinha que não gostava de mim, ou seja, eu é que dizia que namorava com ela. Mas talhava veleiros de casca de pinheiro, sulcava o mar nas grandes poças de água e, o céu, com os pombos-correios do pombal que eu mesmo erguera com tábuas, caibros, pregos e martelo, já perto da adolescência. Cedo me ia nascendo a vontade de mundo e o desejo de liberdade.

Talvez por isso, não tenha querido nem queira votar-me a um restaurante. Mas que não seja por isso: entre no jogo da minha proposta em título e faça de conta que o seu jantar de hoje vai ser igual ao meu de ontem:

Chocos grelhados, com azeite de coentros e esparguete com tinta, salteado em alho, e tomate frito

Como vem sendo meu costume, tinha há meses o esparguete que comprara no Clube do Gourmet do Corte Inglês, já para o prato em questão, imaginado só no seu principal conjunto, os chocos e o esparguete de tinta destes octópodes. O mais veio-me à ideia no momento.

Cozi o esparguete al dente, escorri-o e salteei-o em azeite com um grande dente de alho, ligeiramente esmagado e partido em dois, para não ficarem partes brancas na massa. Reservei. Entretanto, tinha temperado de sal e sumo de limão e posto os chocos no grelhador do forno, a temperatura no máximo, a porta do forno meia aberta. Quem tiver paciência que os grelhe no carvão, já que as lareiras ainda não se acenderam. Ficam melhor de sabor, ainda que os meus estivessem bem. Fritara ainda tomate em rodelas, mais para adereço, temperadas só com sal. Picara alho e coentros, muito miudamente, os coentros em quantidade, e pus tudo numa malga com azeite q.b. No momento de montar os pratos, levei esta mistura ao microondas e mal deixei que fervesse. Temperei os chocos com esse molho e fiz um risco com ele, ajudado por uma colher de sopa.

Na imagem abaixo, vê-se um pouco da parte verde de um alho francês, cortado em juliana. Fritei-o com o objectivo de conseguir um adereço crocante. Mas, depois de frito, rejeitei-o, estava estaladiço, sim, mas nem a cor nem o sabor ligavam com o conjunto.

É este o gozo de fazer pratos por conta própria. Imaginamos o principal, e o resto vamos buscando o que fica melhor. Um pouco como na Arte.

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quinta-feira, outubro 25, 2007

Morcela da Beira Alta assada, sobre broa tostada no seu molho, com grelos e bagos de romã, castanhas fritas, presunto crocante e espuma de laranja


Desculpem-me o título, parece uma coisa pedante, mas tenho para mim que pedantice é defeito de gente tola, para não dizer parva, e eu não me vejo nem me quero nesse rol. E aqui não entra o dever da mulher de César, não tenho de parecer, tenho de ser, só para mim mesmo, o contrário. O prato até é feito com matérias-primas bem populares e está ao alcance de muita gente, como se pode ver na imagem de abertura. O pior ainda pode ser arranjar este tipo de morcela, que é da Beira Alta (Beira Lamego), ensacada em tripa larga e muito boa. No entanto, pode comprar-se no Continente, o Eng.º Belmiro nem sequer me agradece a publicidade gratuita.


Levei um troço de morcela ao forno, a 220ºC. Quando começou a largar a gordura, passei uma fatia de broa por ela, de um lado e de outro e à medida que a ia soltando. Obtive assim uma espécie de tosta impregnada do sabor da morcela e muito estaladiça. Ao mesmo tempo, pusera uma fatia de presunto no forno a secar. Entretanto, debulhara uma romã e cozera uma mão cheia de grelos, que piquei grosseiramente e que levei ao lume numa sertã, com azeite e alho picado miudinho, salteando-os. Tinha já ligado a fritadeira no máximo, dei um golpe na casca das castanhas e fritei-as. São mais fáceis de descascar que as assadas e até são melhores.


E eis que chega a altura do célebre aire, entre nós espuma, o motivo que me levou a imaginar este prato. Estava para fazer primeiro, à laia de teste, um batido de café com leite (gelado, claro) e espuma de groselha preta, com base num refresco feito com água e xarope da dita. Já não tinha paciência, e deitei-me a fazer o sumo de laranja. Fiz 300 ml, mas como só queria 250 ml, bebi o resto. Adicionei 3 g de lecitina de soja aos 250 ml de sumo (12 g por litro de líquido, e não 4 g como disse na entrada abaixo), e bati a mistura no próprio copo em que medira o sumo. A espuma formou-se facilmente, e fui-a recolhendo para um copo. Como pesei a lecitina? Com uma balança electrónica de cozinha. Não são caras e é um aparelho indispensável, face à pouca fiabilidade das balanças analógicas, digamos assim.

O curioso é que a espuma foi buscar toda a mucilagem do sumo, constituída por polpa em suspensão, ganhando assim não só cor como um gosto acentuado a laranja. O sumo que sobrou ficou pálido, como se tivesse sido clarificado. Outra coisa curiosa nesta espuma é que é muito aveludada. Claro que bebi o resto que ficou.

Depois foi montar o prato. Os sabores e as diferentes texturas casaram-se muito bem, um prato de outono, pouco pesado, apesar dos produtos fortes que entram nele. É que sendo as quantidades poucas, o prato acaba por se tornar leve.

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terça-feira, outubro 23, 2007

Técnicas para actualização da cozinha #2
Espuma usando lecitina de soja

Como ando a pensar em batidos e também porque serve para decorar pratos e não apenas decorar, também para juntar-lhes um sabor com textura diferente, ponho este vídeo que explica o modo de se obter espuma com lecitina de soja (comprei uma lata de lecitina no Continente, já lá vão 2 meses ou mais, e ainda não fiz nada...). Os ingleses chamam vapor a esta espuma, e os espanhóis, aire, para não se confundir com a de sifão que tem, ao contrário desta, consitência de uma musse. É à base de um líquido à escolha, sumo, caldo, infusão, etc. Segundo li algures, a lecitina entra na quantidade de 4 g por litro e, em vez da varinha do vídeo, recomendava-se a batedeira de claras apenas com as pontas mergulhadas no líquido, o que me parece mais efectivo para formar espuma. A Semente de Sésamo já aplicou a técnica numa sopa de ervilhas, isto na blogosfera nacional, quanto sei.

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quinta-feira, outubro 18, 2007

O meu assado de lombo de porco


O porco que deu este lombo pesava 92 kg em carcaça, isto é, abatido, limpo de vísceras e depois de enxuto. Pode ver-se que era um porco grande pela largura das fatias de lombo no prato, um prato de tamanho comum. O peso em carcaça mais normal dos porcos que comemos anda à volta dos 70 kg. Era portanto um porco mais velho, com a carne mais feita e, em consequência, mais saborosa e mais próxima dos porcos caseiros de antigamente. Este, em pequeno, com dois ou três dias de vida, tinha sido castrado. Assim como assim, só perdeu a ansiedade de ver as fêmeas em que, inteiro, nunca haveria de tocar. Ganhou com isso uma carne quase feminina, sem o detestável cheiro a macho, mesmo mais saborosa que a das suas companheiras, de que fora um eunuco.

Esta introdução é para explicar a necessidade de se escolherem cuidadosamente as matérias-primas, cuja boa qualidade é grande parte do caminho andado para o êxito de um prato. Por essa razão, é recomendável ser-se cliente de um bom talho fora dos hipermercados. Se o talho não tiver machos castrados, terá fêmeas. Certifique-se de que o são e do peso que tinham. Comprar carne de porco nas grandes superfícies é uma incógnita, muitas vezes já vem embalada, e pode ser de macho inteiro, intragável com alguma frequência por causa do cheiro, um cheiro próximo do cheiro da urina, que não é mais que o do sémen espalhado através do sangue, na hora precisa do abate.

Comprei um bocado de vão de lombo, que inclui também o courato e os ossos. Aqui é a minha ajudante a emprestar as mãos para a fotografia. Quem retirou o courato fui eu. Pode pedir no talho que o façam, mas o mais rapado possível.

Vê-se nesta imagem e nas duas seguintes a altura de toucinho. Os porcos castrados e as fêmeas são mais gordas que os porcos inteiros, estes só coiro e febra, e para muitos, suponho que para a maioria, o só coiro e febra é que é bom. A verdade é que resulta numa carne seca e triste. E se não abusarmos destas coisas, da qualidade suculenta que a gordura ajuda a dar, o corpo não se queixa e a alma agradece.

De novo as mãos da minha ajudante a posarem para a foto. Aqui trata-se de fazer incisões com a altura do osso, a todo o redor do interior das costelas desta parte do espinhaço, com o fim de separar, depois de assada, a carne dos ossos deste lado, puxando o lombo com a mão, sem a intervenção da faca, senão no final para cortar o toucinho, caso contrário rasgava-se. Veja esta imagem.

Esfreguei de véspera o lombo com uns quatro dentes de alho, bem grandes, esmagados com o aparelho, e a seguir com sal grosso. Não levou rigorosamente mais tempero nenhum.

Levei a peça ao forno, a 220ºC, numa assadeira com um fundo de água, que fui mantendo e que serviu para formar o molho. Depois de o lombo ter ganho cor, baixei a temperatura para 200ºC, e, passados 75 minutos, a carne estava assada, com o termómetro de cozinha a registar 71ºC no interior da carne. Não se esqueça de que o termómetro de cozinha é um auxiliar precioso.

O lombinho à esquerda e o lombo à direita, na imagem acima, tão facilmente desossados. No caso do lombo, teve só o corte vertical, junto às costelas, e o final, para o toucinho não se escangalhar, depois de retirar com a mão o lombo do osso em que a peça, na imagem, está a assentar.


Fiz um puré de maçã, não com maçãs ácidas como se vê em todas as receitas, mas, de propósito, com as vulgaríssimas Golden Delicious, que são doces e estavam aromáticas. Para 5 maçãs usei 1/2 copo de vinho branco, noz moscada e 2 colheres de sopa de manteiga. Deixei-as cozer, partidas em 8 pedaços cada, em lume moderado com o vinho, desfiz os bocados com a colher quando bem cozidos e juntei-lhe a manteiga e a noz moscada no final, batendo de novo com a colher. O puré, doce q.b. e aromático, ligou às mil maravilhas com o lombo, para mim bem melhor do que se o tivesse feito com maças ácidas como a reineta, por exemplo.



Fiz uns folhadinhos com massa comprada, e estava o prato pronto.

Tenho feito muitas vezes assim o lombo de porco assado, é muito provável que mais gente o faça deste modo. De qualquer maneira, classifico-o como criação minha, porque de facto o é, muito embora também possa ser cumulativamente de outros, facto de que não tenho conhecimento.

Creiam que estava uma delícia, a carne muito suculenta e já com sabor dos porcos de antigamente, que ainda os vai havendo por aí. Clandestinos.

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Bife com estrugido de cebola

Hoje dei-me folga. É bom estarmos com as nossas coisas, olharmos o sol e a manhã urbana, a cidade a mover-se para o dia, e nós num dolce fare niente, sem o tempo a correr-nos à frente. No entanto, embora por aqui se comesse uma espécie de bacalhau à Gomes de Sá, tratei eu do meu próprio almoço, ao jeito de comida de todos os dias. Um bife, mais um, coisa de que sou bastante amigo, ao invés daquele bacalhau, mesmo quando feito a rigor.

Mais que da apresentação do meu almoço, cuidei do seu sabor. Inspirado um pouco nestas iscas de fígado e em memórias distantes, escolhi um bife do acém como vem sendo costume.

Piquei uma cebola, levei-a ao lume numa sertã com azeite, o azeite com alguma largueza , e deixei que a cebola ganhasse a cor da imagem acima. Retirei-a e reservei. Passei um pouco do azeite de a fritar para outra sertã, ficando portanto com duas.

Entretanto, tinha cozido umas batatas com casca e parti-as às rodelas grossas, com uns 7 mm de espessura, retirando-lhes a pele.

Alourei as rodelas de batata numa das sertãs, com o azeite de ter frito a cebola, e na outra sertã, com o mesmo azeite, que deixei aquecer bem, fritei o bife, um minuto de cada lado. Retirei-o, temperei-o com flor de sal e deixei-o estar uns minutos em repouso. Finalmente, pu-lo sobre as batatas, e sobre estas e o bife, a cebola refogada e um arzinho de salsa.

Conforme eu imaginara, tudo, as batatas e a carne, me sabia a um aroma da minha infância e adolescência, o estrugido puxado dos arrozes de certo Porto que não sei se resiste ainda.

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quarta-feira, outubro 17, 2007

Técnicas para actualização da cozinha #1
Esferificação com agar-agar



Só sei que lhe chamam Pauly.

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segunda-feira, outubro 15, 2007

Iscas sem elas

Ontem fui a um hiper, vi umas iscas de fígado de vitela e trouxe uma cuvete delas. Vi também uns cogumelos e vim com uns quantos. Estava longe de saber o que faria com aquilo, pensava vagamente noutras coisas, numa sobremesa à base de marmelo assado, geleia sem açúcar que vi por concentrar no frigorífico, gelado, massa brick.

Não fiz nada disso, e já passava das 8 da noite quando me vi obrigado, é o termo, a fazer qualquer coisa daquelas iscas. Foi um avançar a passo, na própria altura. Os cogumelos, primeiro; limpei-os bem com um pano (não os lave, absorvem tanta água como uma esponja, o que lhes leva o sabor). Retirei-lhes o pé e pus sal e uma noz de manteiga em cada um deles. Piquei um tomate com casca, levei-o a dar uma entaladela no lume, mais uma vez com manteiga e só temperado de sal, e coloquei o tomate na cavidade dos cogumelos, levando-os então ao forno. Entretanto uma luz súbita vinda de uma cesta de marmelos, levou-me a calcular que ficariam bastante bem umas fatias de marmelo fritas, em vez da polenta em que pensara e que felizmente não fiz. Clarifiquei um pouco de manteiga, ou seja, retirei-lhe o soro, deixando-a transparente para não queimar. Fritei as fatias de marmelo com casca, sem qualquer tempero, o lume brando, um testo a tapar a frigideira, até ficarem macias. A seguir veio-me a ideia de cebola picada, frita em azeite numa sertã, para pôr em cima das iscas e dar um toque português ao que estava a fazer. Enquanto as iscas, temperadas só com sal, frigiam, no fundo da sertã quase limpo do azeite da cebola, tentei abrir uma garrafa de vinho branco para deglaçar os sucos e não consegui que aquela rolha parasse de rodar à medida que a espiral tentava perfurá-la. Em boa hora. Tinha à mão um pouco de porto vintage esquecido que, por isso, já só servia para a cozinha. Usei-o, dois goles, e as iscas ficaram a fervilhar um pouco e o molho a reduzir. Assados os cogumelos, penso que uns 20 minutos bastaram, retirei-os, pus mais uma pouco de tomate para devolver o brilho que o forno retirara, enfeitei-os com salsa picada e montei o prato.

Digo-vos que o fígado com o porto estava uma delícia, que a cebola frita foi uma surpresa, por realçar o sabor delicado das iscas, que o marmelo frito em manteiga e os cogumelos recheados casaram com as iscas como casaria Romeu com Julieta. Depois de um fim-de-semana a almoçar e a jantar em restaurantes de província, soube bem a leveza delicada e nova deste prato, em que tudo foi imaginado sobre a hora.

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domingo, outubro 07, 2007

Despedidas de um verão incerto #2

Pernil de porco fumado, assado e frio, com salada de maçã, nozes e maionese de basílico

Andava, como de costume, quando penso em fazer algo na cozinha, a cismar, agora neste pernil fumado, que já fazia, mas servido quente, com acompanhamentos tradicionais, portanto sem usar a sinergia de novas ligações que o tornaram refinado e próprio de dias de canícula, com o estrilhar das cigarras no auge.

Os pernis fumados são baratos, já não me lembro de quanto custaram, um até bastava. O maior pesava 1,4 kg.

Cozi-os numa panela tapada, durante 2 horas, com meio litro de vinho branco, água a cobrir, sal, uma mão cheia de grãos de pimenta preta, dentes de alho com casca, esmagados, salsa e hortelã. E durante tanto tempo, porque é indispensável que o coirato fique tenro.

Cozidos, levei-os ao forno a tostar num tabuleiro com um fundo do próprio caldo.

Depois de ganharem uma cor apetitosa, como na imagem acima, deixei-os arrefecer, limpei-os de humidade e gordura e pu-los no frigorífico, isto no dia da República, que assim foi festejado na cozinha, longe dos dircursos oficiais que parecem (quase) sempre os mesmos desde o princípio do mundo.

O pior, o mais hesitante e difícil foi os acompanhamentos. Tinha pensado previamente, enquanto magicava no pernil, numas feijocas brancas que comprara em Espanha, de onde também trouxera os corações de alface da imagem acima, mas não estavam demolhadas.

Ao mesmo tempo que digo ser um sábado à tarde num hipermercado a imagem do Inferno, de que fujo como um santo do pecado, também afirmo que é uma fonte de inspiração, salvo seja uma espécie de musa que me toma o ser, e que desta vez me disse que uma maionese de maçã seria óptima, e melhor ainda com nozes. E a musa do garfo, sempre a puxar por mim, levou-me para as ervas, entenda-se para o sector das ervas aromáticas, e fez-me escolher o basílico, depois de me ter posto no carrinho um pacote de miolo de noz, umas maçãs Granny Smith e uma manga.

Se algum dia fizerem esta salada, que é excelente, usem maçãs doces, Bravo de Esmolfe, Fugi, Starking, etc. A acidez da maionese contrasta melhor com elas, e ainda mais com as muito aromáticas como a nossa Bravo de Esmolfe.

Revelou-se um acompanhamento perfeito para o pernil frio, que cortei às fatias,

Descasquei e parti as maçãs em cubos pequenos e esmiucei um pouco a noz. Encontrar o sabor da noz, no meio untuoso da maionese, foi algo que ajudou a distinguir a salada.

Também o basílico teve bastante importância no êxito conseguido. A maionese é a que sempre faço, sem nunca a ter falhado:

1 ovo inteiro
Vinagre (neste caso de cidra) - q.b.
Sal fino q.b.
Pimenta preta do moinho - q.b.
Açúcar branco - 1 colher de sopa
Mostarda (dos cahorros quentes) - 1 colher de sopa
Óleo (uso óleo Fula, passe a publicidade não paga, por ser neutro de gosto) - q.b.

Bato o ovo com uma colher de sopa de vinagre no copo misturador, e espero 5 minutos. A seguir ponho os temperos e vou deitando óleo. Quando vejo que chega, rectifico os temperos e, neste caso, o basílico picado miudamente, em quantidade abundante.

No fim, montei o prato como se vê no início, metade do coração de alface temperado com sal e vinagre sobre uma fatia de manga, e esta, sobre a salada. No fim, as fatias de pernil fumado. Uma delícia.

Pode ser que, a propósito da salada, mais uma vez tenha inventado a pólvora sem fumo, mas que me saiu da cabeça sem mais ajuda que a da musa do garfo, lá isso saiu. Quando as coisas não são da minha lavra, digo-o sempre.

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Despedidas de um verão incerto #1

SANGRIA

Ontem esteve quente por aqui, e deu-me para aproveitar um nada do muito que me ficou por dizer nos meses de Julho e Agosto. Com o tempo, especializei-me em sangria, e com o calor lembrei-me dela, e se me lembrei, mais depressa a fiz. No entanto, não foi bem assim, que tudo dá trabalho, menos fazerem as coisas por nós. Acontece que, se somos exigentes, o melhor mesmo é tomarmos nós a iniciativa. Esta atitude tem duas vantagens: não perder tempo à procura de um restaurante que faça uma sangria pior que a nossa; não desgostar ninguém em casa ou um amigo a quem deixámos fazê-la.

Há dois segredos fundamentais para conseguir uma sangria como deve ser: um bom vinho tinto, muito carregado de cor, e beber-se muito fresca.

O que usei:

2 laranjas
1 limão
1 pêra grande (ou 2 médias), madura e muito aromática
100 ml de Drambuie ou outro bom licor de laranja (usei Drambuie)
1 garrafa de vinho tinto bom (usei um tinto da Fundação Eugénio de Almeida, quase negro, com 14º)
75 g de açúcar branco.
2 paus de canela
0,75 l de gasosa muito fresca (7up)

Parti a fruta às rodelas, sendo as de pêra mais finas para soltarem mais aroma. Juntei a fruta toda ao vinho já na taça, o licor, os paus de canela, o açúcar, umas pedras de gelo, mexi e levei ao frigorífico com umas 4 horas de antecedência. Se fizer no dia anterior, só ganha.

Na hora de servir, junta-se mais gelo e - outro dica - só então a gasosa bem fresca. Mexe-se ligeiramente e bebe-se. Quantidade suficiente para dois bons "copos" ou para três pessoas que bebam um pouco mais que a média.

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quarta-feira, outubro 03, 2007

Bife do acém com molho mirandês

Este bife, com mais de 700 g e com 4 cm de altura, deu para dois bons garfos, um deles este vosso cozinheiro nas horas vagas.

O acém é uma bela carne para bifes, tenra, suculenta e saborosa, quando percorrida por veios de gordura como este. Os tão cantados e bem pagos bifes de lombo, de lombinho como nesta cidade lhe chamam, o filet mignon dos franceses, andam bem longe em sabor dos do acém, e a diferença em tenrura não é tanta que se pague por ele 4 e 5 vezes mais o preço do acém, que varia, do comprado por mim, entre os 4,5 e 6,20 €.
Há algum tempo que, sendo um alegre consumidor de bifes, não ponho o dente num desses bifes de lombo. Não só não me caem os parentes na lama, como pagava este do acém pelo preço do filet migon.

Grelhei o bifão na chapa, a alta temperatura, um lado e outro bem selados, como se pode ver nas imagens. Desta vez, servi-me do termómetro para o ter al punto, que a carne estava gelada, além de o bife ser desusadamente alto, e não quis correr riscos de estar frio no meio, como já me sucedeu em mais que um restaurante. Aos 52ºC no seu interior, desliguei, e pus o bife num prato, temperando-o de um lado e outro com flor de sal e ficando à espera 5 minutos

Laminara, entretanto, dois dentes de alho grandes e pusera-os numa caçarola com azeite virgem extra a ferver um nada, sem os ter deixado ganhar a mínima cor.

Juntara depois um gole de vinagre tinto caseiro (caseiro, só porque é mais forte). Levei a lume brando a ferver até o vinagre estar cozido e disfarçada a sua acidez com o sabor do alho.


Deitei o molho quente sobre o bife, que esperava, e depois foi dividi-lo em dois e comê-lo. Só com pão, que a urgência da larica não admitia batatas fitas, nem eram precisas para nada. Os pratos ficaram limpinhos com as sopinhas no molho. Parece mal, mas soube bem.

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segunda-feira, outubro 01, 2007

Sopa de puré de batata com coentros e ovo sobre torrada


Apesar de fazer há anos o que neste livro se chama caldo verde de coentros (como o caldo verde, mas os coentros picados a fazer a vez das couves e sem a tora de chouriço), apesar disso, dizia, não posso classificar esta sopa como uma recriação apenas. O puré de batata não só é mais espesso, como atendi a ligações antigas de casa de meus pais que achava e acho óptimas. Falo de uma sopa de puré de batata simples com croutons e de uns ramequins com puré de batata comum e ovo escalfado. Ambas as ligações são excelentes. Também já todos conhecemos como é boa, para quem gosta, a ligação do ovo com os coentros na açorda alentejana. E embora a base desta sopa seja a mesma do caldo verde de coentros, a sopa é, pelo já dito, mais complexa, e tão diferente que posso chamar a mim o acto de a ter criado.

Pique coentros miudamente e com fartura. Faça uma sopa grossa com batata - grossa não é uma papa -, um fio de azeite, alho e cebola, carregue nas batatas mas não no alho e na cebola, são só para dar um gostinho muito leve. Tempere com sal. Torre uma fatia de pão por pessoa e faça, também por pessoa, um ovo na chapa (pode ser uma sertã antiaderente), só untada com azeite.

Com o puré de batata a ferver, junte-lhe os coentros, deixe fervilhar um minuto e desligue. Ponha a sopa nos pratos, coloque a torrada depois no centro e, em cima, da torrada, o ovo. Cuide que a torrada seja suficientemente alta para que possa emergir sopa como se vê na imagem abaixo.

Muito fácil de fazer, foi o meu jantar de ontem. Se a experimentarem, garanto que se consolarão como eu me consolei.

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