domingo, abril 29, 2007

Finalmente

Tenho muita coisa para pôr e pouco tempo, de modo que vou colocando o que tenho às pinguinhas e com atraso. Poucas palavras, que as imagens valem por mil (dizem), acerca do Salón Internacional del Club de Gourmets, já lá vão quase duas semanas.











Provavam-se à vontade vinhos bons, assim-assim e um péssimo de Priorato, a zona minha favorita de vinhos de Espanha. Devia estar ali para espantar "los borrachos". Não ficaram sem resposta: disse-lhes que era muito mau, es muy malo, assim mesmo. Não é injusta a fama de gente somítica que os catalães têm em Espanha. Somíticos há em toda a parte, eu sei, embora mais nuns lados que noutros.

Também se provava azeite por um copinho. Eu cá ia molhando bocadinhos de pão postos para isso.

E faziam-se negócios ou apenas se falava em redor de petiscos de arregalar o olho.

Às tantas, deparei com esta espantosa banca de peixe. Lembro-me de que perguntei aos meus botões se o espadarte degolado, a que prertencia a cabeça em primeiro plano, não teria sido pescado no mar de Sesimbra. Responderam-me eles: "Admira-te..."










Mas a carne era a rainha da festa. À esquerda, dois grandes lombos de vaca maturados no frio e, à direita, leitões para o o célebre cochinillo, mais pequenos que o nosso. Quem um dia estiver perto de Arévalo, para os lados de Ávila, não deixe de ir ao Las Cubas. Só serve almoços. Sairá de lá a pensar que o leitão deles é diferente, que o deles não tira lugar ao nosso e vice-versa, que não se podem comparar duas coisas que são excelentes quando bem feitas.

Cliquem na imagem acima para ver melhor. Que bela carne, que belos chuletones! Repare-se como estão entremeados por uma rede fina de gordura. Sob essa carne, estão lombos maturados no frio, outra delícia, tenra, saborosa, cor de vinho tinto. Não é por a galinha do vizinho ser mais gorda, a verdade é que nuestros hermanos vão muito à frente de nós, neste e em tantos outros aspectos - para não falar da alegria de viver. É que têm tanto motivos para a alegria, como nós vamos tendo cada vez mais para a tristeza.
Se a carne foi rainha, o presunto de porco ibérico foi rei. Em cima o stand da casa tida como a de melhores presuntos D. O. Jabugo, Sanchez Romero Carvajal. Estava a abarrotar de gente. Em Espanha há um verdadeiro culto pelo presunto. Parma apaga-se diante da excelência aromática, untuosamente macia de um presunto ibérico reserva, de bolota.
Estes presuntos em cima fariam as delícias de uma festa para toda a blogosfera gastronómica. Com pão alentejano e um vinho tinto novo.

Gostei desta inspiração hípica para cobrir o presunto. Mas só para o proteger da poeira. Para não secar, é coberto com a gordura retirada do mesmo, como muito de nós sabem, se não todos.










Se o presunto era o rei, o foie gras era o príncipe. É de espantar o número de casas por toda a Espanha que se dedicam a fazer este manjar de deuses. O foie gras, como os presuntos e o vinho, estavam por todo o lado.
A vitrine acima ainda hoje me enche os olhos. Percebe-se, por isto e por tudo o mais, a mão de sábios do bom-gosto.










Também estiveram franceses com esta iguaria que pretendem deles, quando já era do Antigo Egipto quando caçavam gansos selvagens e, como iguaria de criação dessas aves, da Roma clássica.

Caras bonitas não faltavam, como também não faltam por cá, ao contrário de muitas ideias feitas e de estereotipos da globalização.

Os cogumelos, que lindos! Outra imagem difícil de esquecer. Esta feira espalhava-se por três grandes pavilhões e dedicava-se só a gourmandises e coisas boas. Para ver tudo mais ou menos bem, teria de ser um dia inteiro, e não ir e voltar no mesmo dia, como fizemos.

O arroz bomba também estava presente, o arroz eleito para paelhas, com que fiz um arroz de borrego que pus no blogue, e um arroz de cabidela diferente, que estava saborosíssimo e que publicarei proximamente.











Aquelas chávenas de chocolate, à esquerda, em cima, pareceram-me óptimas para se beber um batido de framboesas, leite e natas, tudo misturado e doce q.b. Depois comiam-se as chávenas, e bem melhor era do que faziam os russos dos romances do séc. XIX, que partiam as taças, bebido o champanhe.

Estive para pifar um marron glacé de que gosto tanto, o aviso na imagem é que me dissuadiu: "Por favor, no tocar". Mas que foi uma malvadez pôr um aviso daqueles, lá isso foi.

A fruta cairia bem depois de tanta boa coisa vista e provada, isto se o seu sabor fosse como o aspecto feérico que mostrava e se deixassem prová-la. Agora só para o ano. Mais que recomendável a quem se perde por estas coisas.

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sábado, abril 28, 2007

Sem cerimónia nem beberete, mas o prémio foi entregue

O prémio do concurso, promovido e patrocionado em exclusividade por este blogue, foi já entregue via CTT à feliz contemplada Goretti, por ser quem deu primeiro a resposta certa. Um livro da cozinha regional talvez mais suculenta de Espanha. Agora esperemos ver algumas das suas receitas no Mal-cozinhado.

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terça-feira, abril 24, 2007

Bola de presunto

Enfim, a bola de presunto, uma recriação da bola de Lamego, que era feita noutro tempo com massa de pão, e hoje, como está tudo mais fidalgo, é com massa quase de brioche. Usei presunto fatiado do Lidl, escolhendo o que tinha mais gordura. E para alguém que escreveu, a propósito de uma receita minha que levava o mesmo presunto “V. usa (…) presunto fatiado de embalagem de supermercado (…) Para qualquer escriba encartado, é grande crime. ”, fotografei a embalagem do Lidl e um presunto ibérico de bolota, D.O. Jijuelo, que tenho por abrir, para afirmar que o presunto fatiado é bem bom. Como tenho algum senso, um dia destes ponho na tábua o pata negra e vai-se comendo às fatias finas como papel, com pão ou sem ele, que é a melhor honra que se lhe pode fazer.

Para a massa usei uma das receitas que me foram enviadas por Chef Janvier e a máquina de pão comprada também no Lidl, cujo preço não chegou a cinquenta euros, quarenta e nove e qualquer coisa. Liguei-a no programa amassar e levedar com os seguintes ingredientes, por esta ordem de entrada:

300ml de água;
500g de farinha T55 (usei da Nacional);
3g de levedura (usei 7 g);
10g sal (usei 5g)

Ao fim de 1h e 50’, a massa estava trabalhada e levedada, um pouco mole e a precisar de mais duas ou três amassadelas, polvilhada com farinha. Foi o que se fez e ficou como a na imagem abaixo.

Sobre a superfície de trabalho bem enfarinhada, estendeu-se a massa para a base da bola com o rolo, tão fina quanto possível.

Com a ajuda do tabuleiro que iria enformá-la, cortou-se a massa para a base, conforme se vê na imagem abaixo.

Moldou-se a base de massa no tabuleiro, untado no fundo com banha, e dispôs-se o pacote inteiro de presunto, que era gordo, conforme se pode ver nas duas imagens abaixo, o que retirou à bola qualquer veleidade de sair seca.
A seguir, sempre com a superfície de trabalho bem enfarinhada, estendeu-se a parte de cima, igualmente fina, talvez com 1 mm, sem chegar aos 2 mm.

Tapou-se a bola, cortando a massa sobejante com uma tesoura. A parte de baixo da massa fechou-se sobre a parte de cima.

Com um garfo, decorou-se a bola em volta, e foi para o forno já aquecido a 210ºC, sem levedar. Retirou-se quando ganhou cor, mas não em excesso.

Na imagem de baixo, um pouco queimada pelo flash, mostra-se a espessura da massa, que é muito pouca e um atributo claro e distintivo das bolas de Lamego.

A massa de pão, que não cozeu em excesso, saiu muito macia. Sabia tudo a presunto, e foi num ai que se comeu o petisco, acompanhado de umas cervejas frescas porque estava calor.

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domingo, abril 22, 2007

Bife do acém com molho de xerês

Ainda não é hoje que escrevo e ponho as imagens da ida ao Salón del Club de Gourmets. Não sei que faço ao tempo, não me chega para nada.

Ontem, porque tinha de comprar levedura para fazer a massa para a bola de presunto de que falo duas entradas abaixo, fui ao Continente e reparei em dois belos bifes do acém numa cuvete, com uns 400 g cada e 12 mm de altura (800 g, a passar, custaram 4,44 €). Apetecia-me um bom bife e tinha mesmo posto a descongelar um de lombinho de ternera morucha, que comprara no Carrefour de Salamanca. Não hesitei um segundo. Aquela carne devia ser muito mais saborosa. O filet mignon, por bom que seja, como o daquela carne D.O. está longe em sabor das outras peças para bife.


A carne para bife, para quem goste de bifes no ponto, ou seja, mal passados por dentro e tostados (bem selados) por fora, deve ser como a da imagem acima, com uma rede intersticial de gordura, e rodeada de uma capa dela também. Hoje, o consumo de carnes magras de vaca e de porco é um hábito generalizado, quer porque há mais noção dos malefícios da gordura para a saúde, quer, creio que maioritariamente, pelo espírito muito português de não querer pagar gordura pelo preço de carne. Sucede que os animais engordados com hormonas quase não têm gordura, e lemos e ouvimos notícias de como a ASAE tem apreendido gado desse, além de que carne só com músculo é muito menos suculenta.

Já agora, o corte é importante, com espessura igual em todo o bife, para não ficar mais passado num lado que noutro, e sempre que possível perpendicular às fibras musculares, o que, juntamente com a gordura, o torna mais tenro.

Com o lume no máximo, aqueci bem na sertã uma mistura de manteiga e azeite, metade de cada, para que aquela não se queimasse demais, e fritei o bife, um minuto ou dois, de cada lado, não sei, mais não foi. Retirei o bife para um prato, temperei-o com flor de sal de ambos os lados e deixei-o em repouso uns cinco minutos.

Entretanto, noutra sertã, já tinha grelhado as aparas do bife até ficarem tostaditas (mais ou menos 100 g, e pode fazê-lo com aparas de outra carne de vaca), cobrira-as de água, que ferveu e ferveu. Juntara antes, por falta de pimenta preta (!), um punhado de uma mistura de cinco pimentas em grão (preta, branca, vermelha - rosa, diz-se, sendo vermelha -, verde e da Jamaica) porque, mais uma vez, quem não tem cão caça com gato, no entanto o resultado foi bom.


Reduzido o molho, passei-o para a sertã onde fritara o bife, depois de deitar a gordura fora. Sem limpar a sertã, claro, juntei-lhe um gole de xerez seco, deixei evaporar o álcool, pus um nada de leite, depois escorri para a sertã os sucos que se tinha formado do bife, rectifiquei-o de sal, coei-o e reservei-o.

Também já tinha pré-frito, a 160ºC, 2 batatas médias aos palitos grossos (4 por batata), lavados com água e secos num pano. Regulei depois a fritadeira para 180 Cº e, atingida a temperatura, com o bife pronto, acabei de fritá-las. Escolha sempre as batatas apropriadas. Hoje encontram-se em qualquer supermercado para fritar e para puré (mesmo que não digam para puré, são as que servem), como outras só para cozer, de polpa mais rija.

Na imagem abaixo, sem estar a olhar para o relógio, o corte de bife mostra a igualdade da camada passada nos dois lados. Não é um acaso. Tenho um leitor que me acusa de falta de técnica, como se a técnica fosse uma coisa rara, para seres de outro mundo. Aqui a técnica destes bifes é tão simples, escolha da carne, que me levou a trocar filet mignon de uma carne D.O. por acém de novilhos plebeus, bifes de espessura uniforme, gordura, chapa ou grelha muito quentes, um tempo de cocção muito breve e igual dos dois lados, fritos ou grelhados uma só vez de cada lado, sal ao retirar da sertã ou da grelha, e fazê-los esperar uns cinco minutos em lugar tépido antes de os servir.

Tinha fome. Não estive para enfeitar o prato. A carne confirmou-se, era uma delícia, e o molho ainda era melhor, as batatas estavam muito macias por dentro e estaladiças por fora. Enfim o almoço foi de se rezar a Deus. O lombinho, que não chegara a descongelar, esse voltara em boa hora para de onde viera.

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quinta-feira, abril 19, 2007

Presunto de coelho

Tal como no ano passado, fui hoje ao XXI Salón Internacional del Club de Gourmets, em Madrid. Como aperitivo a uma descrição alargada, deixo a raridade do presunto de coelho que se vê nas imagens. No prato acima falta uma lasquita do dito. Fui eu que a tirei. Um petisco surpreendentemente saboroso.

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domingo, abril 15, 2007

Avulso

Não tenho cozinhado. É preciso paciência e tempo, e ambas as coisas me têm faltado. Hoje era para fazer uma bola de presunto, mas a máquina de fazer pão que comprei no Lidl esclareceu que levava 1:50 h para amassar e levedar a bola, e já não me deu tempo.



A propósito do Lidl, não sou esquisito em supermercados. Escolho o que há bom em cada um deles. Na cadeia alemã, são as promoções de aparelhos e utensílios para a cozinha, e tem dois ou três dos melhores iogurtes que se podem comprar em Portugal, isto para meu gosto. Além de mais umas coisas. Não me caem os parentes na lama como a alguns: Lidl? Que horrorosa piolhice!

Passei em Montemor-o-Novo e tornei ao saborosíssimo ensopado de borrego do restaurante O Bacalhau. Perfumam-no com hortelã.

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sábado, abril 14, 2007

O vencedor é...

Quem adivinhou o hipermercado e a cidade do post abaixo foi Goretti, do Mal-cozinhado. Um joguinho de roda como digo aqui. Agora só falta à "feliz contemplada" escrever para o e-mail deste blogue, a escolher o tema que prefere para o livro: Culinária ou Literatura. O mais é só confiar no meu gosto e dizer para onde quer que o envie. Publicarei aqui a imagem do prémio.

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quinta-feira, abril 12, 2007

Hoje fui às compras - adivinhe onde.

O primeiro visitante que disser, nos comentários, o nome do hipermercado onde fui (a que pertencem as imagens abaixo) e a cidade onde fica ganha um livro de culinária ou de literatura, um dos temas à escolha do vencedor, com portes pagos e tudo. Estão excluídos familiares meus e pessoas do mundo lá de fora que me conheçam pessoalmente. Portanto não vale sabotar. O concurso é válido enquanto este blogue for vivo e não houver uma resposta certa. Não há funcionário do Governo Civil e também não é preciso.













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segunda-feira, abril 09, 2007

Jantar no Terreiro do Paço sem ministros # 3

Claro que já tínhamos escolhido o vinho, melhor, deixámos que o escanção o escolhesse por nós. Foi o Pontval de 2004 Touriga Nacional, Syrah e Trincadeira Preta, um vinho alentejano do Alandroal, de aromas complexos, a bagas vermelhas e a cogumelos de Paris, com 14,5º, álcool um pouco a descoberto no nariz que logo se perdoou pelo bem que soube. Alternadamente, para os pratos de peixe, bebeu-se água.

Passemos então ao restante do menu:

Peixe-galo corado


Se é certo que a ligação do peixe-galo com o creme de espargos era boa (não se dava pela hortelã), não acho admissível o peixe estar passado de mais. Possivelmente não seria Vítor Sobral quem estaria na cozinha. Mas se não estava, arranjava quem estivesse com competência, apesar de que há muitos como eu, que vão a um restaurante destes por causa do seu chefe. O certo é que com 1 minuto ou algo menos de cada lado, o peixe ficaria no ponto. Assim, estava seco. Um desgosto. Os espargos grelhados, partidos longitudinalmente em quatro, estavam duros, queimados e não loiros (até se vê na imagem, sob o filete). Os cogumelos não faziam ali nada.

Bochechas de porco preto grelhadas




Com as bochechas de porco preto continuou o mesmo. Excesso de cocção. Estavam secas. O feijão verde, duro e a mais. A emulsão de poejo não sabia a poejo. Salvou-se a ligação da manga grelhada com a carne de porco e os curiosos fritos à esquerda na imagem, que não consegui distinguir de que seriam mais, além de puré de batata.

Não é vã a fama que Vitor Sobral tem quanto a temperaturas de serviço, sempre cuidadas.

Raviolli de ananás com queijo de cabra



Era já um prato de sobremesa, desta vez muito subtil. Os raviolli (2) eram feitos com uma fina capa de ananás, cortada ao longo do fruto, que embrulhava um recheio de queijo de cabra com cebolinho picado. Por mim, teria empregado queijo de ovelha porque de sabor mais distinguível. Ou posto mais sal no queijo de cabra. Mas estava bem, como estava bem a ligação do creme de ginja e cardamomo com o conjunto e a telha finíssima de caramelo crocante sobre os ravioli. As groselhas e as pequenas framboesas, muito aromáticas, foram um final excelente.

Crocante de maçã reineta e fava de tonka


Espantosa, de todos os espantos, foi a ligação do gengibre confitado com o muito aromático gelado de maçã verde. E era tão incomum e bom, e tão presente, que o sabor do recheio do crocante de massa filo se eclipsou, ao contrário do que a ementa realça, citando o pastel de filo como título.

Considerando o tipo de restaurante, a ideia que me ficou é de que a ementa do menu se apresentou de confecção muito desiquilibrada, com os defeitos e as qualidades que citei. Os pontos altos não admitiam que houvesse pontos fracos, nem o dinheiro que se pagou devia ter sido aplicado em peixe e carne passados do ponto. Fica entretanto o serviço, que foi bom, tirando a fífia do princípio, a de não ter sido mostrada a garrafa do porto aperitivo. A amesendação era, com a respectiva baixela, como se esperava, ignorando-se um indiscreto copinho de louça da Ikea e não contando com a falta do guardanapo no meu lugar. A impressão final é que houve quase sempre algo que lixou o excelente, o que quer dizer fraca vigilância em pormenores tão simples que restaurantes do mesmo tipo não os descurariam. No entanto, prevenindo-nos quanto aos pontos de cozedura do peixe e da carne, isto é, chamando a atenção de que se querem como deve ser, é um restaurante a que se poderá voltar, sem pensar que se pagou caro demais um jantar afinal incomum.

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